Um início controverso


Confesso que não queria começar esse blog logo de cara com esse assunto, contudo, hoje eu tive um real surto dentro de casa pensando sobre o assunto e meio que várias memórias vieram a tona fazendo eu ficar horas e horas pensando sobre onde talvez tenha começado essa loucura toda na minha vida. 

Por volta dos meus seis anos, eu era uma criança que não era muito magrinha e nem gordinha, tinha um corpo que pelo que eu me lembre eu achava lindo, costumava usar shorts de dormir para ir na rua e minha avó já ficava me alertando que não deveria usar shorts curtos para sair, no máximo me deixava dormir, mas eu saía, sempre fui rebelde

Reparava que crianças magras sempre eram motivo de admiração de todos, enquanto as gordinhas sempre eram alvo de chacota. Por volta dessa mesma idade comecei a engordar, porém, comecei aos poucos a diminuir a quantidade de comida a fim de controlar, mas, novamente, minha avó acreditava que ser gordinho era sinônimo de saúde e começou a saga do biotônico fontoura, todos os dias ela me dava esse remédio para que eu tivesse mais apetite e comesse (detalhe: apetite eu tinha)

Fui engordando de uma maneira descontrolada e por volta dos meus dez anos, já tinha vários sintomas de depressão, ficava muito tempo só, tinha a questão de ser gay sempre presente ali e minha família na época não sabia lidar com isso, não tinha essa onda de informações que temos hoje e sempre que passava na TV era para ser algo cômico (Vera Verão, Lacraia, alguns exmplos). 

Quando me mudei para Itaquaquecetuba/SP e convivia com minha mãe, sempre que eu reclamava do meu peso, minha mãe soltava a famosa frase: "Só fechar a boca que emagrece!", isso mexia comigo, pois eu queria emagrecer contudo por algum motivo eu me recusava a parar de comer, parecia algo muito errado e que eu não queria fazer parte, quase como um clube fechado de "pessoas loucas" na minha cabeça. 

Porém, para não deixar vocês confusos quero dar alguns detalhes: Dos quatro anos até os meus oito anos morei em Janaúba/MG que é minha cidade natal, dos oito anos aos doze anos morei em Itaquaquecetuba/SP e dos doze anos aos dezenove anos morava em Janaúba/MG e dos dezenove anos até o momento estou morando em Itaquaquecetuba/SP, confuso, mas sempre me mudava no meio do ano ou no final. 

Dados esse detalhe agora posso continuar... Aos doze anos minha avó conversou comigo pois ela queria que eu me batizasse e fizesse a primeira eucaristia, no início eu não queria, mas rolou uma chantagem emocional da parte dela tão forte que acabei cedendo, nesse período todo, eu sempre tentava fazer dietas pois eu já tinha noção que era gordinho, tinha doze anos e pesava cerca de noventa quilos. 

Comecei a primeira eucaristia e na minha turma havia outras crianças na mesma faixa etária que a minha. logo começaram as brincadeira de mal gosto e o bullying começou, eu já sofria isso na escola, porém, ali, na casa de Deus foi diferente, pois sempre me senti acolhido na igreja, minha avó me levava nas missas, desde pequeno rezava o terço com ela todos os dias e sofrer bullying ali mexeu comigo de uma forma que eu não sei explicar, mas era o meu local seguro, que do nada virou um verdadeiro inferno; próximo do meu batizado foi coletado o dinheiro para fazer a camiseta que usaríamos, a minha numeração era o bendito do "G", logo ouvi um comentário: "A camiseta do Washington é a maior!", aquilo para mim foi o fim

Iniciei logo de cara o not food (sem comida) e me joguei nos chás que prometiam o emagrecimento como chá de sene e hibisco (para acelerar o organismo), pois aos doze anos eu já estava cansado de tudo, ninguém se interessava por mim, não tinha respeito de ninguém, eram apelidos e mais apelidos relacionados a minha imagem, e eu já sofria a muito tempo com isso tudo, logo, não demorou, comecei a perder muito peso e rápido, eu tinha pressa, queria no meu batismo estar magro, sabia que seria impossível perder tanto peso tão próximo da data, mas eu fiz tudo que podia naquele momento. 

Não, eu não emagreci a tempo e no dia do meu batismo eu ainda estava gordinho, mas já havia perdido cerca de dez quilos, logo começaram os elogios de que eu estava ficando "bonito" quando na verdade só emagreci. Nessa mesma época eu comecei a gostar de k-pop e via aqueles meninos super magros e brancos, o que gerou uma outra briga interna comigo mesmo, eu queria ser daquele jeito e nem preciso comentar que era impossível, afinal, eu sou negro e meu cabelo é crespo. 

A minha dieta me levava cada vez mais longe, eu comecei a pesquisar e descobri o mundo dos T.A. (transtornos alimentares), pesquisava sobre, via reportagens, entrava em blogs de mesmo tema, tumblrs, e tudo me motivava a ir cada vez mais longe com aquilo tudo que estava acontecendo comigo, na época lembro que tinha até pactos na internet criado por garotas que seguiam aquele estilo de vida, envolvendo mutilação para assinar o nome em um pacto maluco com a Ana (como chamam a anorexia, pois a tratavam como um ser humano, uma amiga), nem preciso dizer que fiz tudo né? Vendo dessa ótica agora vejo que loucura que foi esse período todo da minha vida. 

Resultado de toda essa loucura? Perdi exatos vinte e seis quilos em dois meses, virei a sensação do meu bairro e ganhei respeito e admiração na escola e todos não paravam de se perguntar: "Qual sua dieta?", olha, eu sentia vergonha de falar o que eu realmente fazia e na época comecei a falar que era o café, pois bebia muito e após perder alguns quilos eu me senti motivado a caminhar e todos os dias eu corria cerca de duas horas, caminhava até a beira da serra e depois voltava, dentro do meu quarto eu fazia abdominais, polichinelos, flexões, me auto-avaliava, tirava fotos, fazia montagens loucas, postava na minha conta do Instagram e logo fui ficando "famoso" devido esse estilo de vida, famoso entre aspas pois cheguei na casa de apenas oito mil seguidores

Contudo, embora eu fizesse isso tudo, eu estava fraco, não sentia graça na vida, tinha uma conta pessoal no Instagram onde sempre postava fotos em preto e branco e realmente enxergava tudo sem vida, sem cor, não demorou muito e comecei a perder o controle, na época tinha um grupo com algumas garotas e logo conheci a Mia (uma outra aliada de quem tem esses transtornos, que é a bulimia) comecei a enduzir o vômito, no início era difícil mas logo peguei o jeito, ingeria até detergente para conseguir, comia comida estragada, tudo para sentir nojo da comida e evitar comer, não demorou e contraí uma virose, mesmo sem querer eu vomitava... Tudo se encaixou como uma luva eram dias e mais dias sem comer, chegava a virar semanas e depois quando comia meu estômago não segurava e eu botava para fora, como ficou extremo fui ao médico, ele me botou um terror: "Você quer morrer? Está quantos dias sem comer?", essas frases entraram na minha cabeça e ficaram ecoando. 

Comecei a tomar o soro que ele havia receitado, não me lembro dos demais diálogos para com este profissional da saúde, mas, nem sei se isso agora faz diferença, apenas quero que saibam que eu fui ao médico e ele se impressionou com a quantidade de dias que eu estava sem comer pois eram exatos quatorze dias! E eu sentia um orgulho disso... Vocês não tem noção do respeito que eu tinha no meu grupo, do respeito que tinha no meu bairro, e de como minha vida ali funcionava de uma forma mais que perfeita.

Acredito que estejam se perguntando: "Mas, e seus pais?", minha mãe parecia orgulhosa, pois o filho obeso havia seguido a frase: "Só fechar a boca que emagrece!", já meu pai, da forma dele demonstrava que percebia que estava tendo alguma coisa errada no que eu fazia, sempre ele trazia um lanche no sábado e isso acabava comigo, pois eu me sentia na obrigação de comer e ele ficava me vendo comer... Era tão difícil isso tudo, realmente eu não queria ser uma pessoa má ou causar preocupação sobre meu estado, mas eu fui de um extremo a outro muito rápido e olha que eu nem cheguei na minha meta final que eram os cinquenta quilos, estacionei ali por volta dos sessenta quilos até meus dezenove anos. 

Realmente eu queria morrer, não fazia sentido algum a minha vida. Eram tantas demandas que existiam nela. Não quero entrar nelas agora pois estou focando apenas nessa minha questão com o peso, com as dietas, com a sociedade daquela época não tão distante... O mundo tem a capacidade de mudar rápido, logo, aconteceu o surto dos emos, e eu de novo queria pertencer a algo, comecei a fazer progressiva, lápis preto nos olhos, roupas pretas, algumas femininas... Por um curto espaço de tempo adotei o nome de Sophia, e no fundo, comecei a acreditar que era uma pessoa transexual, mas não levou muito tempo e vi que era apenas gay e cisgênero (pessoa que se identifica com o sexo atribuido no nascimento).

No fim, Deus foi colocando pessoas na minha vida que aos poucos me fizeram mudar. Meus pais nunca tiveram um plano de saúde onde podíamos passar, minha mãe só estudou até o ensino fundamental e o máximo que conseguia de emprego eram de diarista, atendente de lanchonete e nas fábricas de material reciclável, meu pai estudou até a oitava série e logo conseguiu aprender uma profissão que é a de açougueiro, mas antes ele já chegou a trabalhar até em campo de algodão fazendo a coleta, havia desinformação, não sei dizer se na época já contava com psicologos no SUS, pois também nunca fui de ir muito em UBSs. Tive na escola, nessa mesma época, uma conversa com minha professora Márcia e depois com a Cibele, ambas fizeram parte da grande mudança de chave que sofri, teve uma dinâmica da Márcia no início do ano para escrever uma carta para nós mesmos e no final do ano, quando eu li, fiquei emotivo demais, nem preciso dizer que eu queria morrer né? E a Cibele teve uma conversa comigo, não sei dizer exatamente o que conversamos mais foi uma quebra de algo que eu acreditava e logo fui caçar formas de sair daquilo ali. 

Não, não foi fácil, não foi em um passe de mágica e estava curado de tudo o que eu tinha, se é que tinha realmente algo, afinal, nunca fui diagnosticado por um profissional, o que eu sei é apenas o que eu fazia e sentia. Aos poucos comecei a ler sobre como sair da depressão, comecei a me forçar sair de casa nem que fosse para tomar um sorvete ou apenas passear, eu ficava muito tempo trancado no quarto pensando em formas e mais formas de emagrecer mais e mais... Pois eu queria na época morrer de desnutrição, é pesado falar isso, mas eu não tinha coragem de ir além e fazer algo contra mim, não tinha, no máximo aconteciam multilações mais superficiais, sangrava, doía e eu me permitia sentir tudo, afinal, era o que me fazia sentir algo, bom ou não, era algo.

Os passeios foram aumentando, logo conheci um pessoal na minha cidade que se tornaram meus amigos, nunca tive pessoas tão próximas de mim de verdade como eles, eu tive amigas boas no ensino médio, mas, após a minha conclusão, meio que nos distanciamos... A vida tem tantos caminhos e alguns me levaram para cada vez mais longe das pessoas que me amavam. Esses amigos me deram , também, conheci a Umbanda com eles e novamente achei um local seguro para mim e minhas orações. O tempo foi passando e eu fui me forçando a comer, no início era horrível, eu chorava quando comia, quando engordava nesse processo era um pesadelo... Contudo, eu decidi que queria saúde e queria em abundância, eu consegui vencer tudo! Eu fui um guerreiro e embora minha história nunca seja conhecida, eu queria deixar um relato dela aqui, no meu blog onde quero poder contar tudo que já vivi e que me volta nos momentos de devaneios dessa "vidona" maravilhosa que tenho.

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